terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

O CIRCO CHEGOU

Nem sempre, "Quem conta um conto aumenta um ponto". O que vai narrado ilustra o contraditório. Vamos ao caso.

O circo Portuga l5 estreava uma nova temporada em Ipameri. Numa noite fria do inverno de 1958, nos meus doze anos,  ver um espetáculo circense era um prazer à prova de risco.

Naquele tempo, na falta do ingresso, o "jeitinho" era distrair o vigia e passar por baixo da lona e, sorrateiro, camuflar-se em meio à plateia.

Tímido e medroso, aos olhos de alguns, naquela noite, sob o magnetismo das luzes do circo, fui só ousadia. Transpus a lona por baixo de suas "franjas" e, já no interior do circo, juntei-me de mansinho aos espectadores nas arquibancadas; estripulia corriqueira entre os meninos pobres da minha idade, naquele tempo.

Ainda recuperando o fôlego, ouvi uma voz solene e imperiosa:-- Garoto, acompanhe-me! Era o Cabo Alvarenga, restaurando a ordem. 

Desolado e sem reação, paguei um "grande mico", pela travessura. Ante os olhares zombeteiros de colegas do Ginásio e outros conhecidos , fui retirado dali, tendo ao ombro , a conduzir-me, a mão do policial.

Caprichosa, a vida seguiu o seu curso . 

Tornei-me um Policial Militar e, logo, me fiz um oficial.

Aquela constrangedora memória, com os favores lenitivos do tempo, já não parecia incomodar.

Pelo sim , pelo não, numa tarde , estando eu na minha sala de trabalho, ali chegou , para meu espanto , ninguém menos que o Cabo Alvarenga, minha escolta, no episódio do circo: -Tenente, estou me apresentando, para servir no seu Pelotão. Incrédulo, perguntei: -Você já esteve destacado em Ipameri, Cabo? - Sim, Senhor tenente.

Seguiu-se uma longa "prosa", sobre aquela noite no circo, pontuando-se o "script" que  a vida escrevera para nós dois.

Ainda um tanto ressabiado,  o Cabo deixava a sala, sob o meu olhar de admiração. Cá com "os meus botões", falava: -Eis, aí, um valoroso Policial Militar! Uma vida, assim, zelosa e correta, no cumprimento de sua missão de proteger o ir e vir do cidadão, nada tem a temer do mau vezo do destino em inverter papéis.

Esse inusitado colóquio cotejou a lembrança, num tom de mútuo respeito, e de plena reverência ao lado humano do drama de cada um. 

Por minha vez, não me descuidei de enaltecer na conduta de Alvarenga, a lisura de sua abordagem naquela ocasião.

Assim, passado e presente, em parceria com o acaso, rendiam louvor à camaradagem, generoso esteio da hierarquia. E a vida revelava no seu ritmado vaie vem, que há alegria  de graça, além do circo!



Rubens de Oliveira Machado - Cel PM

Acadêmico Fundador da Cadeira nº53




Um comentário:

HelDam disse...

Já dizia minha avó: o mundo da voltas. Nada como um dia após o outro.
Alvarenga fazendo bico no setor circense cumpriu com sua atividade na rede privada e teve oportunidade de em dois momentos encontrar com um grande oficial e servir em seu comando. Adorei a narrativa. Parabéns cmt 💐

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