Por amor ao tempo, deixarei de nominar as ilustres autoridades aqui presentes e dirijo-lhes meus cumprimentos na pessoa do Presidente do Conselho Superior desta Academia, Cel. Divino Alves de Oliveira.
Cumprimento os doutos acadêmicos e acadêmicas que vieram prestigiar este evento, na pessoa do Presidente da AGL-MB, Cel. José Lemos da Silva Filho.
Quero também cumprimentar, com especial carinho, os familiares e amigos que celebram conosco este momento de alegria, nas pessoas do meu marido, meus filhos e nora, Gentil, Daniel, Lucas e Ana Carolina.
Minha homenagem esta noite é para Berenice Teixeira Artiaga, patronesse da cadeira de n° 51 da AGL-MB. Falarei sobre a relevância de sua vida pública e por que ela se tornou inesquecível, no seio de sua família e da sociedade goiana.
Berenice viveu 96 anos, entre 1916 e 2012. Aos 32 anos de idade se viu diante do grande desafio de dar continuidade à carreira política do marido interrompida de inopino.
Falo do Cel. Getulino Artiaga, Patrono-Príncipe desta academia, que, em 1950, contando com o apoio político do candidato ao governo estadual da época, Pedro Ludovico, e durante um evento de campanha para sua reeleição como deputado estadual foi assassinado por opositores partidários.
Berenice decidiu lançar sua candidatura no lugar do marido morto, com aprovação excepcional do Partido Social Democrático – PSD, em clara demonstração de coragem e indignação à opressão política daqueles que se utilizaram da violência para calar Getulino Artiaga.
Assim, em um contexto cercado de obstáculos, Berenice Teixeira Artiaga foi eleita para o seu primeiro mandato de 1951 a 1955, deixando a marca indelével de ter sido a primeira mulher eleita para o cargo de deputada estadual, em Goiás. Em 1954, ela se reelegeu deputada, permanecendo na Assembleia Legislativa, até 1958.
Vale lembrar, que a história constitucional brasileira se iniciou, em 1824, e nesses duzentos anos de arranjos e rearranjos da organização jurídica do poder estatal, somente as constituições que vigoram de 1934 a 1937, de 1946 a 1964 e a atual Constituição, promulgada em 1988, que foram vocacionadas para o ambiente político democrático, perfazendo, apenas 57 anos de aprendizagem dos nossos direitos civis, políticos e sociais e do exercício da cidadania.
Berenice Artiaga desenvolveu sua representatividade política feminina durante a vigência da Constituição de 1946, quando foram garantidos os direitos individuais, a independência dos Poderes da República, a autonomia dos estados e municípios, a pluralidade partidária, os direitos trabalhistas e a instituição de eleição direta para presidente da República, com mandato de cinco anos, entre outros alicerces.
Seu pioneirismo se deu não só pelo fato de desempenhar um papel político com novo viés feminino, ou seja, para além das tarefas domésticas e dos cuidados da prole, mas também, por que encontrou um desenho neófito de representatividade legislativa, após a CF/1946, que contrastava com a tradição brasileira de exercer cargos do poder público com as características do patrimonialismo e do patriarcado, baseadas em relações clientelistas e autoritárias.
Durante a vida pública de Berenice, de 1951 a 1958, as relações jurídicas pertinentes às mulheres brasileiras eram regidas pelo Código Civil de 1916, fulcrado em três elementos fundamentais: a propriedade, a família e o contrato, reflexo da dinâmica social conservadora daqueles dias.
A mulher casada era considerada relativamente incapaz para certos atos da vida civil, exercendo um papel secundário à figura do marido como chefe da relação conjugal.
Somente, em 1962, a mulher deixou de ser classificava como relativamente incapaz, e em 1977, a Lei nº 6.515 permitiu o divórcio como uma das modalidades da dissolução conjugal, isto por que, a Lei do Desquite de 1942 colocava fim aos deveres de coabitação, de fidelidade recíproca e ao regime de bens, mas mantinha incólume o vínculo matrimonial.
Foi neste cenário, realisticamente descrito por Nelson Rodrigues, em suas obras que nos divertem e nos fazem refletir sobre as contradições de valores da sociedade brasileira, que Berenice Artiaga abriu caminhos para a participação política da mulher e a importância da conquista de direitos antes inalcançáveis.
Permitam-me refletir, ainda que com ligeireza, sobre quão vanguardista foi o legado que Berenice deixou para a posteridade.
Nas esferas militares, a vanguarda é a designação do destacamento de homens que vão á frente de todos os outros, verificando o terreno e abrindo caminhos seguros para a passagem dos demais. Deles são exigidas habilidades para traçarem estratégias rápidas, astutas e destemidas diante do desconhecido.
Em tempos de paz, o mesmo pensamento disruptivo também é utilizado por pessoas capazes de reavaliar conceitos, usos, costumes, hábitos e padrões que se impregnaram no comportamento humano, mas que vão perdendo sua razão de ser.
Estas pessoas conseguem imaginar um futuro para a humanidade onde o marco civilizatório é a fala, o discurso, o convencimento, o pensar e o repensar.
A filósofa contemporânea Hannah Arendt viveu de 1906 a 1975. Defendia que é papel do Estado garanti os direitos e as liberdades individuais e que jamais permitir que a Cidadania e os Direitos Humanos sejam afrontados.
Em sua obra A Condição Humana, ela explana que, na ação o homem exerce a atividade política por excelência, por isso deixa um resultado para ser registrado e contado aos demais. Pelo discurso ele se revela por meio das palavras e da persuasão, em contraposição à violência ou a força. É argumentando e debatendo que o homem estabelece a compreensão de si mesmo e dos outros, pois a ação só pode ocorrer na vida pública.
Já o labor é todo tipo de atividade voltada às necessidades naturais do homem, realizadas no seio familiar, destinadas a saciar a fome, a sede, enfim, todo tipo de necessidade da condição animal do ser humano. Uma das principais características do labor é que esse se produz em um ciclo ininterrupto e consumível, formando um círculo vicioso ao qual todo ser humano está preso.
E por fim, o trabalho humano visa à elaboração de um produto ou bem de uso ou consumo, capaz de gerar lucro e acumular patrimônio.
Na modernidade, o homem inverteu a valoração que se dava à vida pública na Antiguidade, passando a considerar a vida privada mais relevante, pois é nela que há a produção de bens e riquezas e, consequentemente, a formação de patrimônio, indispensável para o modo de vida consumista.
Dentro da visão capitalista contemporânea, o labor e o trabalho se agigantaram, tomando o tempo e o interesse da maior parcela da sociedade e, por outro lado, a ação ficou restrita a poucos que se ainda se incubem de representar o povo.
Mergulhado nos afazeres diários, nas longas jornadas de trabalho, na cultura consumista e no aparato tecnológico, o homem contemporâneo ao delegar para seus representantes políticos as suas responsabilidades de cidadão se baseia no argumento de que não há mais tempo para se dedicar aos assuntos comunitários, já que tempo é dinheiro. Além do que, estando a atividade política denegrida pelas constantes notícias de corrupção, trocas de favores escusos, nepotismo, leis casuísticas, enfim, pela utilização do poder público voltado para os interesses privados, o exercício da plena cidadania desvaloriza-se quando confundida com a participação política de cunho eleitoreiro.
Berenice Teixeira Artiaga entrou na vida política em uma época que começavam a surgir tais reflexões ainda sem saber se seus atos gerariam frutos para as gerações vindouras ela não deixou passar a oportunidade de viver o novo.
É com muito entusiasmo que irei ocupar doravante, a cadeira nº 51, em sua homenagem vigiando meus atos e manifestações para fazer jus ao seu pensamento vanguardista.
Dedico este discurso aos meus pais, Derli e Delly, com a certeza de que se hoje sou uma mulher confiante, foi graças ao incentivo à leitura, a educação e a liberdade de expressão que me foi dada.
Agradeço meus familiares pela presença de todas as horas na minha vida.
Muito obrigada pela atenção carinhosa dos senhores.
Goiânia, 30 de abril de 2024
Dra Carla Ferreira Lopes da Silva Queiroz
Acadêmica Fundadora da Cadeira nº 51
2 comentários:
Parabéns pelo seu discurso Dra Carla! Mostrou com clareza e propriedade o quão importante foi o papel de Berenice Artiga, na luta pelos direitos.
E que bom que nossa AGL-MB conta em seus quadros, com mulheres empodeiradas como a senhora.
Parabéns doutora Carla! Uma fala historiada na vida de uma importante mulher de vanguarda que rompeu paradigmas estabelecidos e em seu pioneirismo conquistou direitos, dando nova vestimentas no papel da mulher no seio social. Ainda leva-nos à imergir nos contratos democráticos estabelecidos diante da representatividade política, em uma leitura de reflexiva do atual cenário em que nos encontramos.
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