Senhoras e senhores,
Acadêmicos e Acadêmicas,
Ilustres convidados,
É com profunda honra e um imenso senso de responsabilidade que ocupo hoje esta tribuna, ingressando na Academia Goiana de Letras Militar. Ao ser distinguida com a cadeira cujo patrono é Bernardo Élis, sou tomada por um misto de gratidão, orgulho e compromisso. Gratidão a esta instituição e a todos que confiaram em mim para integrar este seleto grupo de homens e mulheres dedicados às letras.
Orgulho por me tornar parte de uma tradição que valoriza a literatura, a cultura e o pensamento crítico. E compromisso, porque sei que esta cadeira que hoje passo a ocupar não é apenas um assento simbólico, mas um espaço de dever intelectual e literário.
Falar de Bernardo Élis é falar da essência da literatura goiana e da grandeza da narrativa regionalista. Foi ele o único escritor goiano a conquistar o prêmio jabuti, levando-o por duas vezes, e a integrar a academia brasileira de letras, conduzindo para o centro do cenário literário nacional a força das terras de Goiás e o drama de seu povo.
Bernardo Élis foi um cronista implacável das injustiças, um narrador que deu voz aos oprimidos e que soube, como poucos, traduzir a alma dos sertões goianos em palavras. Em sua obra, vemos o retrato fiel das agruras do homem do campo, das lutas de posseiros, da brutalidade dos grandes latifundiários, das desigualdades sociais e da resistência dos esquecidos pela história oficial.
Nascido em 1915, em Corumbá de Goiás, Bernardo Élis cresceu absorvendo as paisagens, os tipos humanos e os conflitos de sua terra. Como professor e funcionário público, percorreu goiás e pôde ver de perto as contradições do progresso e os dramas que marcam o interior brasileiro. Essa vivência está impregnada em suas obras, especialmente nos contos e romances que deram a ele um lugar de destaque na literatura nacional.
Sua escrita vigorosa e sua sensibilidade social se expressam magistralmente em livros como O Tronco, talvez sua obra mais conhecida, na qual denuncia a truculência de grandes fazendeiros, num episódio que ecoa tragédias reais da nossa história.
Nesse romance, Bernardo Élis nos presenteia com palavras que são um retrato de sua visão crítica e de sua arte de contar histórias:
“Pois digo mais: quem tem a alma dominada pelo terror perde a própria personalidade, como os corpos que são queimados e viram um só pó.” (O Tronco)
Essa frase ressoa como um alerta sobre os efeitos da violência e do medo sobre o ser humano, algo que ele expôs de forma magistral em sua literatura. Seu compromisso com a verdade e sua capacidade de dar voz aos silenciados fazem de sua obra um documento vivo da nossa história.
Foi essa força literária que o levou a ser eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira nº 1 em 23 de outubro de 1975. Sua eleição, no entanto, não foi apenas um reconhecimento do seu talento, mas também um episódio marcante da história literária e política do brasil. Seu principal concorrente era Juscelino Kubitschek, ex-presidente darepública, um verdadeiro democrata, um homem cuja trajetória parecia fazê-lo imbatível.
No entanto, naquele pleito histórico, Bernardo Élis venceu JK por uma diferença de apenas dois votos. A derrota de Juscelino foi a única de sua vida nas urnas.
Com essa vitória apertada, Bernardo Élis assumiu sua cadeirana ABL. Esse ano comemoramos 50 anos de sua posse. E, mais do que um acadêmico, tornou-se um símbolo da força da literatura regionalista dentro do cenário nacional. Durante sua trajetória na ABL, manteve-se fiel à sua visão de mundo,defendendo a literatura como ferramenta de denúncia e reflexão, e sempre honrando sua origem e seu povo.
Mas se a história de Bernardo Élis é uma história de luta e resistência, também precisamos lembrar das muitas mulheres que, ao longo da nossa trajetória literária e social, enfrentaram desafios imensos para conquistar o direito à educação, à escrita e ao reconhecimento intelectual.
Por muito tempo, as letras foram um espaço predominantemente masculino. Mulheres que ousaram escrever tiveram que assinar com pseudônimos, esconder suas identidades ou lutar contra a desvalorização de suas obras. A literatura feminina, muitas vezes, foi rotulada como menor, como um exercício de sensibilidade, e não de pensamento crítico ou poder narrativo.
Hoje, ao assumir esta cadeira, faço questão de lembrar as escritoras goianas, brasileiras e do mundo, que pavimentaram o caminho para que nós, mulheres, pudéssemos estar aqui. Mulheres como Cora Coralina, que, com sua poesia límpida e verdadeira, mostrou a grandeza do cotidiano e a força da mulher simples do interior.
Nos sertões de Bernardo Élis, as mulheres também enfrentavam suas batalhas. Eram esposas, mães, filhas que sofriam sob o peso da brutalidade e do poder dos misóginos da época. Mas também eram figuras de resistência, que, apesar da dureza da vida, encontravam meios de lutar e sobreviver.
Ao assumir esta cadeira, sinto-me não apenas herdeira de sua tradição literária, mas também responsável por manter vivo o espírito questionador e combativo de sua obra. A Academia Goiana de Letras Militar, ao reunir escritores e pensadores ligados à vida castrense e à literatura, representa um espaço onde cultura e disciplina, história e narrativa se entrelaçam.
A literatura e a vida militar compartilham um mesmo princípio: ambas exigem coragem. A coragem de quem empunha a pena não é menor que a de quem empunha a espada. Ambas são armas contra o esquecimento e contra as injustiças do tempo.
Assim como um soldado não recua diante da batalha, uma escritora não pode recuar diante da verdade. Bernardo Élis nos ensinou que a palavra tem poder, que a literatura é um território de luta e que o escritor, quando fiel ao seu tempo e à sua gente, pode se tornar imortal. E é essa imortalidade, conquistada pelo talento e pela honestidade literária, que hoje celebramos ao reverenciá-lo.
Honra-me profundamente ser guardiã deste legado, nesta Academia que preserva não apenas o estudo das letras, mas também o espírito de serviço, de disciplina e de amor à pátria.
Que esta cadeira seja um espaço de reflexão e de compromisso com a literatura e com os valores que nos unem como nação e como homens e mulheres de letras.
Que possamos, juntos, continuar escrevendo a história com coragem, verdade e paixão.
Muito obrigada.
Larissa Oliveira
Acadêmica Fundadora da Cadeira nº 08
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